Tem gente que não pode dizer o que pensa. Por exemplo, funcionário de patrão autoritário que precisa do emprego, mulher submissa de marido brutamonte, políticos em tempos de campanha, ministros de Hugo Chaves, jornais de Cuba, e assim por diante. A pior coisa que existe é não poder dizer aquilo que ferve nos miolos. Um direito lembrado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, que concedeu liminar suspendendo artigos da Lei de Imprensa do tempo da ditadura militar: “A imprensa e a democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Por isso que, em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”.
Fico mais tranqüilo na companhia destas irmãs. Não quero enfrentar o calvário da jornalista Elvira Lobato. Numa reportagem investigativa da Folha de São Paulo no último mês de dezembro, ela revelou em detalhes o poder da Igreja Universal do Reino de Deus, que em 30 anos construiu “não apenas um império de radiodifusão, mas um conglomerado empresarial em torno dela”. Segundo a matéria, além das 23 emissoras de TV e 40 de rádio, são 19 empresas registradas em nome de 32 membros da igreja, na maioria bispos. Para quem não sabe, não é permitido que instituições religiosas tenham lucros já que não pagam impostos. Logicamente a matéria não agradou, e membros da referida igreja acionaram na justiça jornalistas e jornais que publicaram a matéria. Estão no seu direito, mas, conforme acusam associações de jornais, a Iurd usou de má fé com a tática de orientar seus fiéis a queixarem-se na Justiça em diversas cidades, de vários Estados, com o objetivo de dificultar a defesa.
A liberdade de expressão, antes de qualquer direito democrático numa sociedade, é um princípio bíblico, seja para acusar ou para defender-se. A Bíblia condena a calúnia e a difamação – o oitavo mandamento – mas não cerceia o direito à liberdade para dizer as coisas. O próprio Senhor Jesus orientou o uso deste princípio dentro da igreja (Mateus 18.15-17). No Antigo Testamento percebe-se não apenas o direito, mas o dever de falar, sobretudo quando a verdade está em jogo. Deus lembra o profeta sobre sua responsabilidade na tarefa de “atalaia” – vigia (Ezequiel 33.7).
Nos últimos tempos o jornalismo investigativo tem realizado um excelente serviço ao povo brasileiro, cooperando com a justiça no desvendamento de inúmeros crimes. Na verdade, tal função é seu dever. Com isto, a pior coisa mesmo não é a falta de liberdade em dizer o que se pensa, mas é a omissão. Calar-se diante das injustiças, da corrupção, das falcatruas é um crime que mata muita gente. E tal omissão é filha do do egoísmo, do lucro, da vantagem pessoal – que tanto tem envergonhado os políticos honestos. Evidentemente, aquele que abre a boca está sujeito a levar pedradas, mas ao menos a sua consciência está tranqüila.
Neste período da Quaresma, do Cristo que carrega a cruz pelos pecados do mundo inteiro por não se calar, é bom dizer que os seguidores dele não poderão deixar de falar daquilo que viram e ouviram (Atos 4.20). Aliás, ele mesmo disse: Felizes as pessoas que sofrem perseguições por fazem a vontade de Deus, pois o Reino do Céu é delas (Mateus 5.10).
Marcos Schmidt
Jornal NH de 28 de Fevereiro de 2008