Não é de estranhar que o Natal perdeu a graça. Estas músicas com harpa, por exemplo, a gente não agüenta mais, estão por todos os lugares. Não tiro a razão do sociólogo Clóvis da Rolt que no artigo “o Natal e outras prisões (Zero Hora, 04/12/2007), diz que esta festa “é uma esquizofrenia acordada socialmente”. Não precisava colocar tudo no mesmo saco ao delatar que “o comércio, a mídia e as ideologias pregadas por instituições religiosas empoeiradas lançam à sociedade seus tentáculos mortificadores”. Mas entendo o estresse deste mestre em comportamento humano. Sua acusação até lembra João Batista que esbravejou no deserto: Ninhada de cobras venenosas, façam coisas que mostrem que vocês se arrependeram dos seus pecados (Lucas 3.8). Rolt prega: “As pessoas, apenas por um período delimitado, se arrependem dos seus atos, se comovem com as desigualdades sociais, se solidarizam com os desfiliados. Mas é só passar o incidente, que tudo volta a ser como era (...) O Natal é precário, incidental e simulado feito as atitudes falsamente humanizadas que ofuscam mais do que o excesso de luzes que se pode presenciar nesta época do ano”.
Mas o Natal mesmo não tem nada parecido com isto. Não é papai-noel, não é presente, não é solidariedade de um dia, não é o espírito “paz e amor” de uma noite, nem trégua para desavenças. Que não é comércio, isto todos sabem – mesmo quando não conseguem escapar das suas garras escondidas no cartão de crédito.
Então, onde está a graça do Natal? Quem sabe a gente pergunta aos desacreditados pastores de Belém? Eles têm a resposta original (Lucas 2.17):
- Um anjo apareceu no céu e disse: Hoje nasceu o Salvador de vocês. Ele está enrolado em panos deitado numa manjedoura. Depois surgiu uma multidão deles, e cantavam louvores a Deus. Não temos palavras para descrever o que vimos.
Narra o evangelista que todos aqueles que ouviram o que os pastores disseram ficaram muito admirados. Intrigante este fato: Por que os pastores foram os primeiros na fila do Natal? Eles viviam nos campos e afastados das regras religiosas, e com isto não tinham nenhuma credibilidade na igreja. Por que os anjos não desceram direto no templo, aos sacerdotes, aos líderes religiosos? Fico imaginado como seria hoje. Quem receberia o Natal em primeira mão? Nem ouso opinar. Em todo o caso, parece que a resposta para este Natal desgraçado – sem graça – pode estar na própria morbidade daqueles que arrogam o poder institucional da Palavra, semelhantemente ao tempo bíblico. Por isto a acusação: Aquele que é a Palavra veio para o seu próprio país, mas o seu povo não o recebeu (João 1.11).
Querem saber onde está a graça do Natal? A Bíblia responde: A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheia de graça e de verdade (João 1.14).
O incrível, aliás, o crível no meio desta saturação, é que a notícia dos anjos só tem sentido onde existe descrédito, confusão, materialismo, religião sem Deus, tradição cristã sem tradução do amor, mercadologia da fé, engano, corrupção, violência. Onde existe pecado. Afinal, aquele que é o próprio Natal revelou: Eu vim para os perdidos.
Por isto, que ninguém pense que não precisa ser encontrado. Assim o Natal nunca perderá a graça.
Marcos Schmidt
Jornal NH de 06 de dezembro de 2007
Jornal NH de 06 de dezembro de 2007