O rei Davi tinha um homem de confiança chamado Aitofel. Os conselhos dele eram aceitos como se fossem a própria palavra de Deus (2 Sm 16.23). No entanto, certo dia este homem recomendou Absalão matar Davi, seu pai, e ficar com o reino dele. Tempos depois, após pacificar a nação, Davi desabafa no Salmo 146: “Não ponham a sua confiança em pessoas importantes, nem confiem em seres humanos, pois eles são mortais e não podem ajudar ninguém”.
Em quem confiar? Este é o dilema dos recém eleitos no último domingo. Rodeados de amigos e interesseiros, todo o cuidado é pouco. Deveriam seguir os conselhos de Lutero: “Deves dar ordens e arriscar, mas não deves confiar e fiar-te em outros, a não ser em Deus somente” (Da Autoridade Secular, 1523). É assim mesmo. Não só na política, mas em qualquer setor onde pessoas dependem de pessoas. Evidentemente, é preciso “confiar”. Mas, a chave deve ser entregue com cópia. Neste mundo de poder, onde a cobiça é grande, sempre haverá traição e decepção. Foi a triste descoberta de Lutero naquele tempo imperial: “A maior inconveniência que existe nas cortes é quando um príncipe subordina sua razão aos grandes senhores e bajuladores, deixando ele próprio de governar”.
Mas qual o jeito próprio e correto de governar? Sempre dependerá da mútua confiança, ainda que resulte no caminho mais difícil. Sem esse voto, o meio político será um profícuo covil de Absalões (ou de Tiriricas). Lutero já protestava: “Se, porém, de acordo com seu cargo, dedicassem cuidados a seus súditos, certamente descobririam por si mesmos que muito baile, caçada, torneio e jogos deveriam ser deixados de lado”. A brincadeira com o patrimônio público, escandalosamente, sempre correu solta, só trocando os festeiros. Por isto o recado do reformador da igreja: “O político não deve procurar o seu interesse, mas proteger, ouvir e defender o povo”.
Em todo o caso, com tanto político invocando o nome de Deus, que sigam o exemplo daquele a quem Davi dirigiu as palavras desse mesmo Salmo: “O Senhor sempre cumpre as suas promessas”.
Marcos Schmidt
Jornal NH de 7 de outubro, 2010