5º Domingo na Quaresma – 2012
Trienal B: Sl 119.9-16 Jr 31.31-34 Hb 5.1-10 Mc 35-45
Tema: A ambição religiosa e o serviço cristão
pastor Marcos Schmidt
_____________________________________________________
É uma coisa muito natural, bem humana, o que estes dois discípulos, os irmãos João e Tiago pediram a Jesus. Eles querem uma posição de honra, sentar ao lado do trono glorioso de Jesus, um a sua esquerda, e o outro, a sua direita. Querem ter parte da glória de Deus, querem ser “mais salvos”. Aliás, o evangelista Mateus, que também conta esta história, revela que foi a mãe de Tiago e Joao que fez o pedido. Era, portanto, o amor de uma mãe que estava ali, se intrometendo na vida dos filhos. E qual não é a mãe que faz isto por seus filhos? Mas, se pensarmos melhor, não foi a mãe que colocou no coração dos filhos este desejo de sobrepor-se aos outros. Esta vontade de estar acima dos outros, de vanglória, faz parte de todos. O orgulho, a ambição, é o principal desejo do ser humano. Não é por nada esta mania humana de competição para ver quem é o melhor, o maior, o mais inteligente. A disputa pelo “mais mais” está nos esportes, na política, no trabalho, na escola, na família. A disputa pelo “mais mais” está na igreja.
Vejam só o que está agora acontecendo com estas duas igrejas, a Universal e a Mundial. Creio que todos devem estar acompanhando pela televisão ou sabem de alguma coisa. É uma disputa por poder e por dinheiro entre a igreja do Edir Macedo e do Valdemiro Santiago. Entre mortos e feridos, lamentavelmente as bombas atingem todo o cristianismo...
Desde que o mundo é mundo, este é o maior problema do ser humano – a disputa pelo poder. E por isto as guerras, revoluções, desentendimentos, problemas na sociedade, na família, no casamento. Abrimos o jornal, ligamos a TV, e o que vemos é a ambição humana – trazendo todo o tipo de conseqüências ruins na vida das pessoas. E isto nunca terá um fim – enquanto o mundo for mundo.
Mas, voltando para este desejo de Tiago e João, será que foi um desejo ambicioso e egoísta? Não foi até louvável, afinal, eles queriam estar ao lado de Jesus? Ou será que a ambição religiosa é a mais perigosa que todas as ambições? Aliás, creio que este desejo está muito esquecido nestes tempos materialistas de hoje – a vontade de ter um lugar especial no reino glorioso de Jesus.
Hoje, até nós cristãos luteranos estamos muito centrados, focados nas ambições terrenas, materiais. Falamos mal destas igrejas que prometem o céu aqui na terra, que buscam a prosperidade física e financeira, mas não dá para falar muito dos outros, porque este desejo, apesar de não estar manifesto, é muito intenso em nosso coração. E não é por menos, porque a propaganda nos ensina que feliz é aquele que consegue comprar todas as novidades expostas nas vitrines.
Por isto, o desejo da glória celestial é uma mercadoria esquecida, só lembrada num sepultamento, quando a morte nos lembra que um dia também chegaremos lá. No restante de nossa vida, estamos mais interessados nas glórias terrenas, nas coisas que precisamos comprar e encher a casa, no carro para colocar na garagem, no novo celular lançado no mercado...
Em todo o caso, é preciso dizer que este desejo de um lugar especial no céu contraria frontalmente o Evangelho de Jesus. E por quê? Por um fato claro e categórico: já podemos nos dar por satisfeitos o simples fato de um dia entrarmos pela porta da glória celestial, e ficarmos lá no último lugarzinho. Aliás, aqui entra uma compreensão que sempre precisa ser reavivada em nós – a compreensão sobre a graça de Deus. Por isto a necessidade constante de ouvir a Palavra de Deus a fim de não cometermos a besteira de fazer um pedido igual ao destes dois discípulos. É uma ousadia, é “cara de pau”, achar, pensar, que somos especiais, que merecemos alguma coisa, a ponto de podermos ficar perto do trono.
Sem dúvida, a ambição religiosa é a pior de todas as ambições. Por que ela vai diretamente contra o coração, o miolo da graça de Deus. E infelizmente, sem nos dar conta, muitas vezes nós cometemos este tipo de prepotência espiritual. Achamos que, pelo fato de sermos cristãos, de pertencermos a uma igreja com a doutrina verdadeira, de sermos luteranos de berço, de participarmos da igreja, de ser pastor, líder; de darmos dinheiro, tempo e trabalho à igreja, ou por isto ou por aquilo, merecemos um lugar especial no reino de Deus.
Sem dúvida, este perigo religioso, de se colocar acima dos outros – e que é uma tendência humana e de todos nós, cristãos – se está sinalizado aqui no Evangelho, se não foi escondido da vida dos discípulos de Jesus, é porque precisa ser combatido para não comprometer a missão de Deus, para não fazer um estrago tremendo na igreja de Jesus, assim como acontece na política, no futebol, nas famílias, na sociedade em geral.
Diante disto, o que fez Jesus com aqueles discípulos continua sendo o remédio para nós hoje. Ele jogou balde d’água fria naqueles homens que ainda não sabiam o que era ser discípulo e testemunha de Jesus.
- Vocês não sabem o que estão pedindo, disse Jesus. Por acaso vocês podem beber o cálice que eu vou beber e podem ser batizados como eu vou ser batizado?
E vejam só a resposta deles:
- Podemos!
Que bobagem que eles disseram, e pior, veio da boca de “discípulos”... Ora, o cálice e o batismo que Jesus falava eram a sua morte e sofrimento. E este sofrimento ninguém, a não ser o Deus-Homem, poderia assumir e suportar. Aliás, é isto que diz a Epístola de hoje, lá em Hebreus, ao afirmar que Cristo “se tornou a fonte da salvação”. Jesus não é “uma” fonte, mas “a” fonte da salvação. Não existe outro manancial desta água que oferece a vida eterna, porque ninguém, a não ser Jesus, poderia assumir este cálice e este batismo. O texto de Hebreus também explica que Jesus foi escolhido por Deus para esta função, e se ele foi escolhido por Deus, então ninguém tem o direito de escolher outro.
Portanto, foi uma grande ignorância dos discípulos, mas uma ignorância que logo foi combatida. Jesus não perdeu tempo e aplicou de imediato o remédio contra a pior doença na igreja – a ambição religiosa. Por isto então as palavras dele:
- De fato, vocês beberão o cálice que eu vou beber e receberão o batismo com que vou ser batizado...
Como que dizendo:
- Tudo bem, vocês vão sofrer também, serão perseguidos, alguns até serão crucificados e morrerão, como eu vou sofrer e morrer... Mas, com uma grande diferença: eu vou morrer em lugar de toda a humanidade, e vocês vão morrer por que vão ficar ao meu lado.
Jesus já tinha dito isto em outra ocasião, conforme registrado no capítulo 8 de Marcos. No caminho à Cafarnaum, os discípulos tiveram uma discussão bem acirrada, sobre quem deles era o mais importante – ou seja, a maldita ambição religiosa. Um pouquinho antes Jesus falava de seu futuro sofrimento, cruz e morte. O evangelista Lucas (cap. 9) oferece outros detalhes – Jesus diz uma coisa que os discípulos não queriam ouvir: “Se alguém quer ser o meu seguidor, esteja pronto para morrer como eu vou morrer, e me acompanhe”
Este balde de água fria nós precisamos também levar na cabeça, quando nossas ambições religiosas se tornam muito latentes e diabólicas. Se isto já é um problema lá fora, no trabalho, na escola, na política, e que cria tanta confusão, é com mais intensidade um problema na igreja, que tem como fundamento a Rocha que é Cristo. Foi o que aconteceu entre os discípulos, porque diz o Evangelho que, quando os outros dez discípulos ficaram sabendo deste pedido, ficaram zangados, indignados com João e Tiago. Podemos imaginar a briga entre ele:
- Mas quem são vocês dois para que Jesus atenda este pedido?
Jesus precisou de muita paciência e conversa para apaziguá-los, e fazê-los entender de que a missão da igreja estava nas mãos deles, e todo o empenho de Jesus estava em jogo. Por isto as palavras de Jesus:
- Como vocês sabem, os governadores dos povos pagãos têm autoridade sobre eles e mandam neles. Mas entre vocês não pode ser assim. Pelo contrário, quem quiser ser importante, que sirva os outros, e quem quiser ser o primeiro, que seja o escravo de todos. Porque até o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para salvar muita gente.
“Como vocês sabem”, disse Jesus. E nós, hoje, também sabemos de como os poderosos deste mundo dominam, apoiados na força, no poder. Uma autoridade duvidosa – e que está acompanhada de corrupção, maldades, crimes, injustiças – fatos que estão na história passada e presente.
“Mas entre vocês não deve ser assim”. E porque não deve ser assim? Pelo simples fato que na igreja de Cristo não existe domínio, poder, sobreposição, autoritarismo. Na igreja de Cristo existe serviço, humildade. O único que tem poder e está acima de todos é Jesus. Mas, como disse o próprio Senhor Jesus, ele, que é o Filho de Deus, não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida.
É por este serviço de Jesus, que deu a sua vida para um dia ter um lugarzinho na gloria celestial, é por este ultrajante e doloroso serviço de Jesus, que eu quero orar com o salmista: Eu procuro te servir de todo o coração; não deixes que eu me desvie dos teus mandamentos (119.10).
Não nos desviemos dos mandamentos de Deus – e como sabemos, o resumo dos mandamentos é o amor, o amor que se mostra no serviço. Amém.