A invenção de Johann Gutenberg arrancou o sossego dos ditadores intelectuais da Idade Média. O livro que nascia de uma engenhoca que antes triturava uvas e não mais da tinta de um monge escriba, agora esmagava os alicerces da fé e do raciocínio medieval e concedia asas para a expansão do pensamento religioso, político e cultural. Não há descoberta igual que tenha transformado tão radicalmente a humanidade. Dizem que o livro está com seus dias contados pelo advento do computador e da internet. Mas até agora as páginas da arte impressa continuam formando e transformando a cabeça das pessoas. Afinal, não dá para meter o nariz num computador e cheirar as palavras.
Os primeiros experimentos de Gutenberg com a prensa móvel aconteceram por volta de 1445 com a impressão de pequenos textos, cartas de indulgência e missais. Mas foi a Bíblia o primeiro livro impresso. Com uma equipe de 12 ajudantes, Gutenberg imprimiu cerca de 250 exemplares das Escrituras em latim. Destes, hoje restam 40 que estão entre os livros mais valiosos do mundo.
Antes os monges gastavam em média de 12 a 15 meses para copiarem as três milhões de letras da Bíblia. Todo este processo, demorado e caro, tornava o texto sagrado inacessível para a população. Além disso, os exemplares recebiam nos monastérios ilustrações requintadas, desenhos folheados a ouro e capas bem trabalhadas. Assim, o custo de uma Bíblia equivalia a uma pequena propriedade rural.
Em 1517 apareceu o monge Lutero propondo uma CPI com as indulgências – a venda do perdão dos pecados – impressas por Gutenberg e carimbadas com o anel do Papa. Era a vez deste reformador protestante usar a mesma tecnologia e expandir aos quatro ventos o que havia descoberto na Bíblia, que o perdão e a vida eterna são um presente de Deus em Cristo Jesus, e as boas obras uma conseqüência natural para o cristão – tudo impresso no coração através da fé. Alguns anos depois Lutero traduzia toda a Bíblia para o alemão, amplamente difundida graças a invenção de Gutenberg.
Dizem que a gente é o que come. Mas a gente é mesmo o que lê. Lembro de uma entrevista com o respeitado intelectual Donaldo Schüller, meu professor de grego e exegese no Novo Testamento: “Só leio livros de que espero muito. Não tenho tempo para me ocupar com aqueles de que não espero nada”. Mas qual é o livro que oferece coisa boa nesta babel literária? A resposta é subjetiva, depende do que cada um espera. Neste sentido, aí está a própria Feira do Livro de Novo Hamburgo convidando para explorar o império de Gutenberg.
A história conta que na Universidade de Oxford, Inglaterra, a notícia do extraordinário invento deixou os professores apavorados. Com a vinda dos livros impressos, eles não teriam mais função. No futuro, pensaram eles, qualquer um poderia adquirir um livro e aprender tudo por si mesmos. Ledo engano! Quanto mais livros, maior a necessidade de mestres. O grande problema mesmo em nosso Brasil é com o cultivo da leitura, o preço dos livros e o salário dos professores. Mas isto já são outros cheiros.
Marcos Schmidt
Jornal NH de 27 de setembro de 2007
Jornal NH de 27 de setembro de 2007