Sermão – Quarta-Feira de Cinzas - 2012
Textos: Salmo 51.1-13; Joel 2.12-19; 2 Coríntios 5.20-6.2; Mateus 6.1-6, 16-18
Tema: Da glória do mundo às cinzas, e das cinzas à glória de Jesus!
pastor Marcos Schmidt
__________________________________________________________
Nós cristãos começamos a nos preparar, a partir desta Quarta-feira de Cinzas, para a maior de todas as festas cristãs, a Páscoa. Enquanto isto terminou o Carnaval. Antigamente a sociedade tinha certo respeito pela Quarta-feira de Cinzas e pelo período da Quaresma. Mas hoje tem o Carnaval das Cinzas e o Carnaval da Quaresma. Ou seja, foi-se o tempo do respeito. Li um artigo do Luis F. Veríssimo na Zero Hora desta Quinta-feira (23.02.2012), sob o título “Agora em Cinzas”, onde ele escreve que “Quarta-feira de Cinzas era uma coisa muito brasileira. Como ninguém tinha um Carnaval parecido com o nosso, ninguém tinha um pós-Carnaval tão triste”. Mas ele lembra que isto acabou, de que não existe mais esta tristeza. “Razão tem os baianos”, diz o escritor, “que acabaram com o pós-Carnaval”.
Na verdade, o que a gente vê mesmo é que o espírito do Carnaval permanece o ano todo, ou seja, esta tentativa de viver fora da realidade, atrás de máscaras, e de um jeito lascivo, imoral e debochado.
Costuma-se dizer que o Carnaval é alegria do povo. Mas a alegria desta festa, desde a sua origem até nossos dias, tem mostrado que o melhor mesmo é ser contagiado pela tristeza, porque ao menos este sentimento pode agradar a Deus.
Conforme nos relata a história, o Carnaval tem suas origens no Egito antigo (do tempo antes de Cristo). As pessoas se fantasiavam para adorar o deus Ápis – que na verdade era um boi. O boi idolatrado era levado em procissão até o rio Nilo em meio a um cortejo popular repleto de orgias e promiscuidades sexuais.
Esta festa chegou a outros lugares. Na Grécia antiga era dedicada ao deus do vinho, Dionísio. Em Roma, ao deus do vinho romano, Baco.
Quando o Império Romano se tornou oficialmente cristão no século quarto, estas festas pagãs deixaram de acontecer. Mas na Idade Média, sob a tolerância da Igreja, voltaram com outro nome: carnevale (vocábulo italiano que significa “festa da carne”).
Foi a maneira encontrada para aproveitar ao máximo os últimos momentos antes do jejum de 40 dias da Quaresma quando nenhuma manifestação de alegria era permitida.
No Brasil, o Carnaval, como bem sabemos, transformou-se na maior festa popular do planeta. E aqui a festa é dedicada ao rei Momo. Momo é um deus da mitologia grega, que segundo o mito, foi expulso do Olimpo – o céu dos gregos - para ser o rei dos loucos na terra. Ele representa a zombaria, o sarcasmo.
Ora, nós cristãos nos alegramos com o Senhor Jesus, que não foi expulso dos céus, mas veio espontaneamente à Terra, não para zombar mas para ser zombado. E com isto nos dar a verdadeira glória...
E se o Momo é o rei dos loucos, vale também lembrar o que escreve o apóstolo Paulo (1 Coríntios), que Cristo na cruz é loucura para os que estão se perdendo, mas para os que estão sendo salvos, é poder de Deus.
E vejam: nós cristãos temos motivos de sobra para pular de alegria e aceitar o convite bíblico: Louvem o Senhor com pandeiros e danças (Salmo 150.4).
Mas é preciso lembrar que para se chegar a vida é preciso passar pela morte, para se ter alegria é necessário enfrentar as cinzas.
No Carnaval é o contrário, primeiro a alegria depois a tristeza. Já na festa da Páscoa, o final é a ressurreição que surge após a morte. É a vida que surge das cinzas.
(neste momento palavras para os enlutados no culto de ação de graças)
Por isto então os textos bíblicos deste culto – da Quarta-feira de Cinzas. Eles lembram que não existe possibilidade de juntar a alegria do Carnaval e a alegria cristã, e fazer uma coisa só, num “desfile na mesma avenida”. Assim como é impossível, diz Jesus, servir a dois senhores, ao mundo e a Deus.
Não adianta viver uma vida de pecados e depois tentar resolver isto de uma forma mágica numa Quarta-feira de Cinzas através de rituais e cerimônias. Como, por exemplo, um marido, ou uma esposa, depois de trair o seu cônjuge, trazer flores e pensar que está tudo bem.
Se vocês prestaram atenção, os textos de hoje mostram que o arrependimento descarta rituais externos quando a religiosidade transformou-se em ações vazias e simuladas. Lemos no Salmo 51: “O que tu queres é um coração sincero (...) Tu não queres que eu te ofereça sacrifícios; tu não gostas que animais sejam queimados como oferta para ti. Ó Deus, o meu sacrifício é um espírito humilde ” (Salmo 51.6,16,17). É a confissão de um Davi que reconhece que os gestos do arrependimento não precisam de notoriedade, de espetáculo, de palco. Isto não quer dizer que Deus não deseja o culto, o sacrifício no Templo, as ofertas na igreja. Aliás, é o próprio Deus quem pede estes sacrifícios e rituais. Mas, quando estes símbolos religiosos não estão ligados ao verdadeiro culto no coração, então eles perdem o sentido. É isto que Davi está dizendo ora a Deus: Tu não queres que eu te ofereça sacrifícios...
O profeta Joel segue no mesmo pensamento ao recomendar: “Em sinal de arrependimento, não rasguem as roupas, mas sim o coração” (Joel 2.13).
Enquanto isto, o apóstolo Paulo exorta para que a graça de Deus não fique sem proveito, mas que se reconheça que o dia do arrependimento é o “agora” (2 Coríntios 6.1,2). Graça sem proveito – em vão – é o mesmo que a mãe dizer para os filhos na hora do almoço: - a comida está pronta, venham logo para não esfriar. Se os filhos não chegaram à mesa, é uma comida sem proveito...
Por isto a insistência do apóstolo ao dizer: “Escutem! Este é o tempo que Deus mostra a sua bondade. Hoje é o dia da salvação”. É como se ele dissesse: Troquem logo a fé que não salva pela fé que salva antes que seja tarde. Algo parecido com as campanhas de trânsito: não corra, coloque o cinto, não beba antes de dirigir – antes que seja tarde.
Já na leitura do Evangelho é o próprio Senhor Jesus que condena
o exibicionismo religioso, quando adverte: “Tenham cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos em público a fim de não serem vistos pelos outros”(Mateus 6.1). Era um recado aos fariseus, que gostavam de exibir suas orações, seu jejum e outros ritos religiosos, mas não tinham amor a Deus nem ao próximo, eram egoístas e maldosos. Ou seja, o que eles faziam no Templo não combinava com o que faziam na vida fora do Templo.
Como nós podemos perceber (e aqui eu peço que ninguém fique escandalizado pois vou fazer uma comparação do profano para o sagrado) as leituras da Quarta-feira de Cinzas são o “abre alas”, o “porta bandeira” na passarela da Quaresma. Aliás, se tem um desfile, um espetáculo que merece ser visto, este desfile sem alegoria e sem fantasia é a glória do Filho de Deus. Isto quem diz é o apóstolo Paulo nesta mesma 2ª carta aos coríntios: “Mas dou graças a Deus porque, unidos com Cristo, somos sempre conduzidos por Deus como prisioneiros no desfile de vitória de Cristo”. (2.14)
Por isto então este recado importante para nós cristãos através das leituras de hoje. Primeiro, porque sempre somos tentados a trocar de rei, do rei Momo pelo rei Jesus. E segundo, porque estamos acostumados com nossas tradições litúrgicas e de rituais de fé, e precisamos tomar todo o cuidado para que o culto não fique apenas no culto, que a liturgia não fique apenas na liturgia, que as tradições cristãs não fiquem apenas na tradição. Ou seja, que a vida cristã lá fora não fique longe do que acontece dentro da igreja.
Na verdade, o culto na igreja com todos os seus simbolismos e ritos devem sempre apontar para a realidade que está no coração. Como, por exemplo, o costume que havia de se colocar cinzas sobre a cabeça em sinal de arrependimento, algo que surgiu no Antigo Testamento. Em Neemias (9.1,2) lemos: que “... o povo de Israel se reuniu para jejuar a fim de mostrar a sua tristeza pelos seus pecados (...) Em sinal de tristeza, vestiram roupas feitas de pano grosseiro e puseram terra na cabeça. Então se levantaram e começaram a confessar os pecados que eles e os seus antepassados haviam cometido”.
Só que isto ficou apenas no ritual, na liturgia. As pessoas colocavam cinzas, pó sobre a cabeça, mas não se arrependiam; jejuavam e até rasgavam a roupa, mas tudo era apenas um teatro (o jejum e o rasgar a roupa também eram símbolos extremos e radicais para demonstrar arrependimento)
Por isto as palavras no Livro de Joel: “Em sinal de arrependimento, não rasguem as roupas, mas sim o coração” (Joel 2.13).
O que significa rasgar o coração?
É aquilo que diz Davi no Salmo 51 na oração que ele faz a Deus: “O que tu queres é um coração sincero; enche o meu coração com a tua sabedoria. Tira de mim o meu pecado, e ficarei limpo; lava-me e ficarei mais branco que a neve”.
Nestes dias de Carnaval se ouviu bastante um convite com uma música que dizia: “Vem pra ser feliz. Eu tô no ar, tô Globeleza. Eu tô que tô legal...”. Acompanhado com imagens de uma mulher nua sambando, muitos aceitaram o convite. Mas será que o convite para ser feliz desse jeito faz a pessoa ficar legal? As contas no final da festa mais popular mostram que não – a maioria não está bem quando tudo volta à realidade.
Ao contrário disto, aqueles que aceitam o convite “Venham a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados e eu lhes aliviarei”, estes certamente são as pessoas mais felizes deste mundo. Amém