Num vilarejo no sul do Líbano, 56 civis morreram na madrugada de domingo em um bombardeio israelense. Entre as vítimas, 37 crianças. Apenas mais um número da guerra somado aos 2 milhões de crianças no mundo que tiveram o mesmo fim trágico na última década. Sem contar os 6 milhões que ficaram inválidas ou gravemente feridas, 1 milhão órfãs, 20 milhões desabrigadas. São as cifras da guerra. Números, apenas números junto com trilhões em dinheiro gastos anualmente nos arsenais da morte enquanto que, no mesmo período, 600 milhões de infantes vivendo em condições de pobreza absoluta, e 12 milhões morrendo de doenças evitáveis.
Na Bíblia também tem um número que sempre me chamou a atenção. Está no livro de Jonas, o profeta que ficou com raiva por causa da misericórdia de Deus para com as pessoas de Nínive, inimigas de Israel. Afogado em tristeza no meio do deserto, Deus fez crescer uma árvore que o aliviou do calor. Mas a planta foi atacada por um bicho e secou. O homem ficou com mais raiva ainda. O livro tem um desfecho simples e inesperado: “Então o Senhor Deus disse: - Essa planta cresceu numa noite e na noite seguinte desapareceu. Você nada fez por ela nem a fez crescer, mas mesmo assim tem pena dela. Então eu, com muito mais razão, devo ter pena da grande cidade de Nínive, onde há mais de cento e vinte mil crianças inocentes e também muitos animais”.
Jonas queria que Nínive fosse destruída. Desta forma ele e o seu povo estariam definitivamente livres desta gente inimiga. E o ódio dele ficou mais evidente diante da misericórdia de Deus, sobretudo quando aparece este número: 120 mil crianças. Jonas deve ter pensado: tudo bem, são crianças, mas um dia elas serão soldados. Foi o que pensaram os justiceiros da Candelária no Rio de Janeiro quando mataram 7 meninos de rua (no Brasil, dizem que a cada dia 4 crianças são vítimas de chacinas). São números que não nos dizem nada, afinal não temos nada com isto. Além do mais, estes meninos e meninas de rua são “pequenos infratores” sem solução. Sim, é isto que está em nossa cabeça nesta guerra da sobrevivência urbana. É a nossa raiva justificada, sobretudo quando somos as próprias vítimas de assaltos e violência, e quando nossa tranqüilidade é tirada por estes pequenos “inimigos” da sociedade.
Mas enquanto nossa (in)justa ira se ascende, Deus continua com pena das crianças. Afinal, ele é o Pai de todas. E qualquer um que fizer algum tipo de mal contra elas responderá àquele que disse: “foi a mim que fizeram” (Mateus 25.40). O problema é que não reconhecemos Deus o dono de tudo, e nos apossamos também das crianças, transformando-as em meros instrumentos de nossas conquistas. Marido e mulher pouco se importando com os filhos nas batalhas por soberanias e privilégios. Políticos corruptos e sanguessugas sem nenhuma consideração pelos direitos fundamentais dos pobres brasileirinhos. É o amor que esfria por toda à parte (Mateus 24.12), não apenas nas fronteiras de nações inimigas, mas também nas divisões dos interesses pessoais. É a guerra onde as vítimas sempre são estas criaturas indefesas.
- “Deixem que as crianças venham a mim e não as proíbam” (Marcos 10.14). É um pedido daquele que entregou a sua vida por elas. É uma ordem do Príncipe da Paz que não suporta qualquer tipo de guerra.
Marcos Schmidt