Quarto Domingo após Epifania (B)
29 de janeiro de 2012.
Sl 111 Dt 18.15-20 1 Co 8.1-13 Mc 1.21-28
Tema: Não basta ficar admirado e espantado.
É preciso algo mais...
Marcos Schmidt
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Em qualquer negócio, é importante que o cliente fique atraído pelo produto oferecido. Se uma empresa, pequena ou grande, não se preocupar e investir em maneiras para impressionar o cliente, certamente o concorrente vai tomar o seu lugar.
E hoje, nestes tempos de tantas ofertas e concorrência, mais do que nunca as empresas fazem de tudo para impressionar o cliente, desde a fabricação do produto, a propaganda e a exposição na hora de vender.
Muitos de vocês, que trabalham no ramo dos negócios, sabem disto, e se especializam em como atrair o consumidor.
A religião hoje descobriu isto de uma forma muito inteligente. Várias igrejas se tornaram grandes empresas, e com a concorrência cada vez maior também no aspecto espiritual, todos os meios são usados para atrair o consumidor religioso.
Mas, outro fator importante neste assunto é que não basta fisgar o cliente. É preciso também oferecer um bom produto. E esta é a melhor propaganda: oferecer um bem que ofereça qualidade.
Eu falo de tudo isto, porque o Evangelho de hoje narra que as pessoas que escutaram Jesus ficaram muito admiradas com a sua maneira de ensinar. É que Jesus ensinava com a autoridade dele mesmo e não como os mestres da Lei.
Ora, se as pessoas ficaram admiradas com o jeito de Jesus ensinar, é porque Jesus falou de uma maneira especial, cativante, carismática.
É importante dizer aqui, que as pessoas ficaram admiradas, não que as pessoas creram em Jesus. Mas, este foi o primeiro passo: a admiração. O Evangelho não diz o que aconteceu depois, se estas pessoas seguiram e creram em Jesus. Diz apenas que elas também presenciaram uma cura. Um homem dominado por um espírito mau apareceu, e Jesus o curou. Diz o evangelista que as mesmas pessoas que ficaram admiradas com o jeito de Jesus falar, agora ficaram espantadas com o poder de Jesus.
Admiração e espanto não são ainda, aquilo que é necessário para alguém se tornar “cliente” do Evangelho. Não sabemos o que aconteceu com aqueles que ouviram e viram Jesus falar e fazer, mas certamente alguns foram embora assim como chegaram, e outros voltaram consumindo o Evangelho.
É como em qualquer negócio. Alguns levam o produto, outros não levam.
Mas, pensando naqueles que voltaram assim como chegaram, o que faltou? Será que faltou em Jesus algo mais convincente? Mais enfático? Mais atrativo? Onde estava o problema?
A leitura da Epístola, de certa forma, responde a esta pergunta. O texto diz que Deus também tem concorrência, mas uma concorrência desleal, injusta, desonesta. Algo parecido com os produtos que não são legítimos, e se disfarçam de legítimos. Aquilo que nós conhecemos muito hoje no mercado, e que é crime quando há adulteração, quando copiam a marca.
Lemos em 1 Coríntios 8. 4-7: “Nós sabemos que um ídolo representa alguma coisa que realmente não existe. E sabemos que existe somente um Deus. Pois existem os que são chamados de “deuses”, tanto no céu como na terra, como também existem muitos “deuses” e muitos “senhores”. Porém para nós existe somente um Deus, o Pai e Criador de todas as coisas, para quem nós vivemos. E existe somente um Senhor, que é Jesus Cristo, por meio de quem todas as coisas foram criadas e por meio de quem nós existimos. Mas nem todos conhecem essa verdade”.
Em Deuteronômio, percebemos que Deus tenta se proteger contra este tipo de falsificação. Lemos: “Se um profeta tiver o atrevimento de dar uma mensagem em meu nome, quando eu não lhe tiver dito nada, ou se ele falar em nome de outros deuses, deverá ser morto” (18.20)
Vejam, a própria Bíblia reconhece a concorrência que Deus enfrenta. Mas, daí vem a pergunta:
- Já que Deus é o único, e não existem outros, e ele tem todo o poder, porque ele não manifesta este poder de uma forma mais visível, mais convincente? Como, por exemplo, fazendo milagres? Imaginem se eu aqui, pastor, tivesse o poder para curar as doenças de vocês, ou ressuscitar mortos, ou fazer outros milagres? Certamente as pessoas iriam crer neste Deus de que quem falo.
Mas, não é assim que funciona. As pessoas ficariam admiradas e espantadas, como aconteceu diante de Jesus que pregou e curou. A fé é outra coisa, e é disto que estamos falando.
O próprio Salmo de hoje (111) lembra isto, de que muitos apenas se alegram das maravilhas de Deus, mas não tem fé. Lemos: “Como são maravilhosas as coisas que ele faz! Todos os que se alegram por causa delas querem entendê-las. Em tudo o que ele faz há glória e grandeza”.
“Todos querem entendê-las”. Se querem entendê-las, é porque ainda não entendem. Apenas alguns entendem. Por isto diz Paulo na epístola: “Mas nem todos conhecem essa verdade”.
Foi Tiago quem escreveu: “Você crê que há somente um Deus? Ótimo! Os demônios também crêem e tremem de medo? (2.19).
Tiago certamente deve ter presenciado esta cena do Evangelho, quando o demônio gritou para Jesus: “O que quer de nós, Jesus de Nazaré? Você veio para nos destruir? Sei muito bem quem é você: é o Santo que Deus enviou”.
Portanto, admiração e espanto, isto até os demônios tem por Deus. Mas eles não têm fé. Muitas pessoas viram Jesus fazer milagres, e até foram curados por ele. Mas não foram curados da pior doença, que é o pecado. Lembram dos dez leprosos? Foram curados por Jesus, mas apenas um voltou com fé e agradeceu a Jesus.
Por isto, se Deus fizesse hoje os mesmos milagres que estão descritos na Bíblia, ainda assim, como foi no tempo da Bíblia, muitos continuariam apenas admirados e espantados, mas permaneceriam descrentes.
Por isto, é preciso tomar todo o cuidado para não ficar apenas na admiração e no espanto com o que Deus diz e faz. Quando a vida cristã depende de sinais audíveis e visíveis, então falta alguma coisa.
Pessoas se afastam de Deus quando não acontecem pretensos fatos concretos da presença dele – sucesso na vida, prosperidade, saúde, coisas materiais, felicidade, enfim, tudo aquilo que garante uma vida boa e agradável.
Quando estas coisas faltam, Deus é o culpado e deixam de fazer aquilo que diz o Salmo 111.1: “Na reunião do povo eu louvarei a Deus, o SENHOR, com todo o meu coração junto com os que lhe obedecem”.
Está faltando alguma coisa! Assim como faltou para aqueles que ficaram admirados porque Jesus falava com autoridade – diferente dos professores da Lei, os escribas.
Algo parecido com o que pode acontecer no culto.
- Como estava o culto hoje, pergunta alguém que ficou em casa.
- Ah, estava muito bom. Os hinos eram aqueles que eu gosto, o sermão estava muito bom, o pastor não se estendeu muito, e disse o que as pessoas precisam ouvir.
- Mas, o que foi mesmo que o pastor disse?
- Olha, não lembro, mas está aqui no Semanal... Está também no blog, dá uma olhada...
De fato, precisamos tomar todo o cuidado, porque, se depender deste tipo de coisa, vamos voltar para casa assim como chegamos à igreja – vazios de Deus e cheios de nós.
Isto não quer dizer que não se deve caprichar na preparação do culto. É importante um bom preparo na mensagem, na liturgia, na estrutura e apresentação de toda a adoração. Também é importante receber bem os visitantes, de fazer com que o recinto da igreja seja um lugar agradável e simpático. Sem estes detalhes e outros que também poderíamos mencionar, é não dar o devido valor ao principal e fundamental do culto – a Palavra de Deus.
Não foi por nada que as pessoas ficaram admiradas com Jesus. Ele usou todos os artifícios da boa pregação, soube cativar as pessoas.
Mas, como estamos frisando, isto é apenas o convite e a apresentação do produto. É preciso algo mais para que aconteça o final da operação. E isto depende do consumidor, do cliente.
Paulo, na epístola, diz algo que pode nos ajudar no entendimento deste “algo mais”. Ele escreve: “A pessoa que pensa que sabe alguma coisa ainda não tem a sabedoria que precisa. Mas quem ama a Deus é conhecido por ele” (1 Co 8.2).
- “Quem ama a Deus é conhecido por ele”. Paulo está falando de fé – o amor que é a base para a verdadeira ligação, para o contato legítimo entre o ser humano e Deus.
O diabo sabe disto, e é aí que entra a ação dele para estragar esta transação entre o céu e a terra – ele provoca confusão no verdadeiro entendimento sobre quem é Deus, sobre o seu amor.
Para os cristãos de Coríntios, conforme a epístola, havia a idéia de que para agradar a Deus, era preciso deixar de comer certos alimentos, fazer isto e aquilo. Assim como hoje em muitas religiões. Paulo chama estas pessoas de “fracos na fé”, e aconselha para que se tenham paciência e cuidado para com elas.
E vejam só o que o demônio disse para Jesus, conforme o Evangelho: - Você veio para nos destruir!
Ora, isto é uma grande mentira. O Diabo é o pai da mentira, e ele gera muitos filhos neste mundo. Jesus não veio para destruir, mas para salvar.
Muitos têm esta idéia de Deus: um ser furioso e sempre pronto para castigar. Por isto o constante medo. Cumprem certas regras religiosas, vão à igreja, dão dinheiro, fazem promessas, sempre com aquele temor de que algo de ruim pode acontecer caso não cumprirem estas coisas.
“No amor não há medo”, escreve João na sua primeira epístola. “Aquele que sente medo não tem no seu coração o amor totalmente verdadeiro, porque o medo mostra que existe castigo” (1 João 4.18).
Diferente daquilo que diz o Salmo 111: “Para ser sábio, é preciso primeiro temer a Deus, o Senhor”. Este “temer” é aquilo que Lutero explica nos mandamentos, que devemos “temer e amar a Deus”. É o respeito, a obediência, a reverência, a submissão. Mas sempre na confiança do amor.
Por isto, não basta ficar apenas admirado e espantado. É preciso também crer no amor.
Estimados amigos, hoje, neste momento, também acontece aquilo que narra o Evangelho: Jesus entrou nesta igreja e está ensinando. E aqui, podem ter três tipos de ouvintes, assim como deve ter sido naquela sinagoga há dois mil anos atrás:
1) Ouvintes que têm fé,
2) Ouvintes que têm uma fé fraca
3) E ouvintes que não têm nenhuma fé
Para aqueles que têm fé, bom entendimento, é importante ouvir de novo as palavras da epístola: “Tenham cuidado para que essa liberdade de vocês não faça com que os fracos na fé caiam em pecado”.
- A liberdade da fé não autoriza a descuidar na pratica do amor...
Para aqueles que têm uma fé fraca, sem muito entendimento, é significativo outras palavras desta mesma epístola de hoje: “Todos nós temos conhecimento. Porém, este tipo de conhecimento enche a pessoa de orgulho; mas o amor nos faz progredir na fé”.
- O amor faz progredir...
Para aqueles que não têm fé, seguem as palavras que, incrivelmente, o próprio demônio pronunciou: “Sei muito bem quem é você, é o Santo que Deus enviou”.
O demônio disse uma grande verdade, que é para todos, crentes e descrentes:
- Jesus é o Santo que Deus enviou. Mas, com este detalhe que o demônio mentiu: Jesus foi enviado para salvar.
Não vamos ficar apenas na admiração e no espanto. Vamos também crer neste amor que Deus tem por todos, por ti e por mim. Amém