– Por que Deus permite que isto aconteça comigo? O que eu fiz de errado? É castigo?
Perguntas deste tipo são colocadas diante de mim em muitas situações do aconselhamento pastoral. E nestas horas o grande perigo é dizer bobagens. “Sofrimento” é tema das passagens bíblicas na liturgia do culto cristão para este fim de semana. São histórias de tragédias com perguntas e com respostas, como a de Jó que perdeu os dez filhos, toda a riqueza e a saúde (Jó 38.1-11). Dos discípulos aterrorizados dentro de um barco no meio de uma terrível tempestade (Marcos 4.35-41). Do apóstolo Paulo e suas aflições (2 Coríntios 6.1-13). E do testemunho que o “socorro vem do Senhor Deus, que fez o céu e a terra” (Salmo 124).
Mas se as perguntas são normais e compreensíveis, as respostas são estranhas. Jó perdeu tudo e Deus chega para ele e questiona: “Quem é você para pôr em dúvida a minha sabedoria?”. Quanto aos discípulos, alguns eram pescadores e por isto, cientes das poucas chances de escaparem com vida – mesmo assim recebem de Jesus um puxão de orelhas: – “Por que é que vocês são assim tão medrosos? Vocês ainda não têm fé?” Sobre Paulo, que parece um masoquista – ele já tinha dito em outra ocasião que se alegrava nos sofrimentos (Romanos 5.3). No entanto, é preciso ir mais fundo nos textos antes que se diga: “Isto é injusto”.
Boa parte das heresias nasce e cresce no ninho do sofrimento. Por exemplo, a conversa de que a tragédia é castigo de Deus. Se fosse verdade, a vida da gente seria um medo sem fim. Por causa desta invenção do inferno muita gente vive com o coração na mão, sempre com medo de passar debaixo de uma escada, carregando amuletos, fazendo o sinal da cruz para qualquer situação de perigo, enfim, sob os terríveis efeitos da superstição. Nunca me esqueço da história de um amigo meu que perdeu o dedo da mão na serra elétrica numa Sexta-Feira Santa. Ele achava que era castigo pelo fato de trabalhar naquele dia. Consegui arrancar do coração dele o dedo acusador com a verdadeira mensagem deste dia cristão. Como fez o próprio Salvador quando os discípulos lhe perguntaram: “Mestre, por que este homem nasceu cego? Foi porque ele pecou ou porque os pais dele pecaram?” Jesus respondeu: “Ele não é cego por causa dos pecados dele nem por causa dos pecados dos seus pais. É cego para que o poder de Deus se mostre nele” (João 9.2,3).
Creio que assim como é impossível explicar a origem do Universo e da própria vida, é racionalmente incompreensível os motivos do sofrimento humano quando existe um Deus todo-poderoso e ao mesmo tempo cheio de amor. “Onde é que você estava quando criei o mundo?” pergunta Deus para Jó – alguém que já tinha se flagrado: “Não podemos compreender o Todo-Poderoso, o Deus de grande poder. A sua justiça é infinita, e ele não persegue ninguém” (Jó 37.23). Mas se a gente quer mesmo uma resposta, é só olhar para o imensurável sofrimento do Pai celeste que entrega o seu único e amado Filho na cruz – uma loucura para os que estão se perdendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, o poder de Deus (1 Coríntios 1.18).
Marcos Schmidt
Jornal NH de 18 de junho de 2009