O “prende e solta” do bilionário Daniel Dantas me fez lembrar a Epístola de Tiago (2.1-4): “Nunca tratem as pessoas de modo diferente por causa da aparência delas. Por exemplo, entra na reunião de vocês um homem com anéis de ouro e bem vestido, e entra também outro, pobre e vestindo roupas velhas. Digamos que vocês tratam melhor o que está bem vestido e dizem: ‘Este é o melhor lugar; sente-se aqui’, mas dizem ao pobre: ‘Fique de pé’ ou ‘Sente-se aí no chão, perto dos meus pés’. Neste caso vocês estão fazendo diferença entre vocês mesmos e estão se baseando em maus motivos para julgar o valor dos outros”.
Se isto é comum dentro da própria igreja, não é nenhuma surpresa o que acontece nesta sociedade que julga pressionada pelos cifrões. Por exemplo, metade dos presos no Brasil espera decisão semelhante a esta que Dantas recebeu do presidente do Supremo Tribunal Federal. Por que um banqueiro em menos de cinco horas é libertado e um “ladrão de galinha” apodrece na cadeia por meses esperando julgamento? E o lamentável é que tal parcialidade em tratar com deferência ricos e pobres é uma peste que atinge todos, crentes e descrentes. Os vigaristas sabem disto. Apresentam-se bem trajados e enganam empresários inteligentes, mulheres carentes, aposentados desavisados. Histórias não faltam! Por que? Porque as aparências enganam.
Isto é coisa antiga. Já percebia o Sábio da Bíblia: Neste mundo eu também reparei o seguinte: no lugar onde deviam estar a justiça e o direito, o que a gente encontra é a maldade (Eclesiastes 3.16). Por isto o irônico conselho (que o delegado que prendeu Dantas não ouviu): Não critique o homem rico nem mesmo dentro do seu próprio quarto, pois um passarinho poderia ir contar a eles o que você disse (Eclesiastes 10.20). E por isto também a hipócrita realidade: Os ricos arranjam muitos amigos, mas o pobre não consegue nem conservar os poucos que tem (...) Se o pobre é desprezado até pelos seus próprios irmãos, não é de admirar que os seus amigos se afastem dele (Provérbios 19.4, 7).
Evidentemente que ser rico não é nenhum pecado. O erro é a idolatria, a cobiça. É a origem iníqua da fortuna – algo corriqueiro em nosso país. É o tratamento desigual entre os que têm e os que não têm. Ou a insensibilidade dos ricos honestos para com o infortúnio dos miseráveis. O erro é a própria disparidade social da concentração de renda, ou seja, ricos aviltantemente ricos e pobres miseravelmente pobres. Por isto a condenação do profeta já naquela época: Vocês maltratam as pessoas honestas, aceitam dinheiro para torcer a justiça e não respeitam os direitos dos pobres. Não admira que num tempo mau como este as pessoas que têm juízo fiquem de boca fechada (...) Façam com que os direitos de todos sejam respeitados nos tribunais. Talvez o Senhor, o Deus Todo-Poderoso tenha compaixão das pessoas do seu povo que escaparem da destruição (Amós 5.12-15).
O evangelista conta que o abonado e desonesto Zaqueu, depois de arrepender-se e crer no Filho de Deus, fez uma promessa: Eu vou dar a metade dos meus bens aos pobres. E, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais (Lucas 19.8). Imaginem se a metade dos milionários desonestos deste país seguisse o exemplo de Zaqueu? Estaria resolvida grande parte da corrupção e da pobreza nesta terra das algemas douradas.
Marcos Schmidt
Jornal NH de 17 de julho de 2008
Jornal NH de 17 de julho de 2008