“Como é possível que um homem fique rico em tão pouco tempo, a ponto de conseguir comprar reis e imperadores? Reis e príncipes deveriam cuidar disso e coibi-lo com justiça rigorosa. Porém ouço que eles estão com o rabo preso. Enquanto isto mandam enforcar ladrões que furtam um ou meio florim, e transitam com aqueles que saqueiam o mundo inteiro e roubam mais do que todos os outros. E assim se confirma o que dizia o senador romano Catão: Os ladrões pequenos estão em grilhões nas cadeias; mas ladrões notórios trajam ouro e seda”. (Martinho Lutero - Obras Selecionadas, volume 5).
Parece coisa de hoje. Mas é de 1524, tirado do escrito “Comércio e Usura”. O “homem rico” citado é Jacó Fugger, dono de um monopólio de mineração na Alemanha. Enriqueceu graças ao cartel no preço do cobre. Solicitado a escrever sobre a ganância no comércio, os juros exagerados e a desonestidade nas finanças, Lutero começa o artigo dizendo acreditar que seu escrito será quase em vão, “uma vez que a desgraça se instalou profundamente e tomou conta em toda a parte”. No entanto, lembra que alguns podem ser resgatados da goela da ganância – pessoas que pertencem a Cristo e que preferem ser pobres com Deus a serem ricos com o diabo.
Contra que ou quem Lutero escreveria hoje, nesta tirana e genocida economia globalizada? Aqui no Brasil provavelmente contra a política dos bancos, que em apenas cinco anos, reajustaram suas tarifas em até 954% sob uma inflação de 50,6%. Ou contra empresários que financiam campanhas de políticos na disputa de privilégios. Contra a Justiça que prende ladrão de galinha e deixa solto bandido de colarinho branco. Contra os altos impostos que absorvem quase a metade do que o trabalhador brasileiro produz. E contra muita outra coisa injusta e podre.
Lutero sabe que não adianta enfiar a Bíblia na cabeça dos (ir)responsáveis. Afirma que religião e política são pratos diferentes. A “bancada evangélica” e os que querem governar o país em “nome de Deus” não teriam Lutero em seu partido ao lerem “Da Autoridade Secular”. Cristãos são poucos e resta apenas a espada, isto é, a punição, diz o reformador. “Por isso o mundo precisa de um governo secular duro e rigoroso, que tenha sob o controle os maus e os impeça de tomar e roubar (...) para que o mundo não fique devastado, não se acabe a paz nas cidades, e as transações e a comunhão entre as pessoas não sejam totalmente aniquiladas”.
Este monge alemão, que devolveu à igreja o tesouro do Evangelho, que abalou a economia do império igreja-estado, que arruinou o vil comércio do perdão dos pecados, também meteu a mão na consciência de políticos, empresários, comerciantes e economistas avarentos e corruptos. Lamentavelmente estava certo ao dizer: Creio que este meu escrito será quase em vão.
Marcos Schmidt
Jornal NH de 25 de Outubro de 2007
Jornal NH de 25 de Outubro de 2007